Luz e Sangue
Aguarda-nos a escolha entre a vida no espaço, a sobrevivência num planeta mutante, relatórios de estatísticas intímas, consultórios de pesquisas últimas, desastres pestilentos, dilemas morais, o controlo do futuro e a pesada e sincera luz do dia. A previsão é atroz.
1. Atraso
No primeiro momento, Nils Aall Barricelli chegou a Princeton, New Jersey, três meses depois do previsto, em Janeiro de 1953, para cumprir uma promessa antiga: a auto-reprodução da matéria através do uso da matemática. A descrição histórica deve evitar de forma constante a tentação do misticismo. Barricelli introduziu vários números aleatórios numa pequena matriz digital — alojada num computador imenso — para verificar se uma evolução similar à dos organismos vivos podia ocorrer dentro de um universo artificial. Em Abril, Crick e Watson anunciam a primeira descrição do ADN e revelam a estrutura molecular que codifica e sustenta a respiração do mundo. Em Maio de 2010, o J. Craig Venter Institute partilha com o planeta a existência de uma célula viva completamente controlada por um genoma sintético.
2. Contágio
“Há demasiados aviões no céu.”
3. Destino
As cores a ter em conta são o vermelho, o branco, o azul. Os números conspiram contra a fragilidade do sistema. Haverá vencedores e negociantes de instrumentos precisos, gente hábil que nem sempre será mercenária, redes de laboratórios interligados por fibra óptica, os organismos de Barricelli multiplicados, evoluídos, organizados em aplicações e cartéis. O livre-arbítrio é largamente professado apesar de se manter um previlégio dos poucos, como um rumor excitante que todos querem confessar.
No futuro, o sangue e a informação celebram o protocolo de amizade que garante a emancipação do sacrifício, da privação, o pesar, o contributo forçado para a ética comum, o calendário e a jurisprudência.
Este Corpo que Me Ocupa, Buala, Lisboa 2014.
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